Um nariz cronicamente obstruído pode gerar uma série de deformidades, especialmente nas crianças, como: face alongada e estreita, lábio inferior flácido, má-oclusão dentária, palato (céu da boca) estreito e profundo. O combate à respiração bucal deve acontecer o mais cedo possível. Dr. Lucas explica mais afundo as alterações oro-faciais apresentadas em pacientes respiradores bucais.

A Respiração bucal pode comprometer a definição naso-maxilar?

A respiração bucal é altamente comprometedora na definição de forma e contorno dos arcos dentários, bem como de todo o processo naso-maxilar .

Como causa principal da respiração bucal temos a obstrução nasal, que está vinculada a uma série de anomalias na morfologia facial, maxilar e dentária. Denominando-se por isso “síndrome da face longa”6. Seu resultado frequentemente demonstra um indivíduo patético com aparência abobalhada 7.

Então, por que deixar a criança desenvolver a síndrome da face longa, quando o tratamento precoce evita o agravamento da doença, afetando a arcada dentária, alterando a fonação, o esqueleto facial, a aparência do indivíduo e a sua qualidade de vida, pois o paciente com obstrução das vias aéreas superiores está constantemente doente, sentindo-se cansado devido à diminuição da qualidade do sono, chegando às vezes a ter problemas de insônia.

Um tratamento que restabeleça ao paciente a respiração nasal pode ajudar a criança a apresentar a face que geneticamente teria, impedindo uma alteração anti estética produzida por influências ambientais 8.

Portanto, o objetivo deste artigo é mostrar a relação da respiração bucal com alterações dentais e faciais, mas também citar outros incômodos por ela causada. Daremos, contudo, maior enfoque à rinite alérgica como fator etiológico 7-13, pois segundo Moura (1991)14, o hábito de respiração bucal geralmente está relacionado à causa e é portanto de difícil tratamento.

Causas da respiração bucal

A respiração bucal é o principal fator etiológico da síndrome da face longa (SFL)7, 9-12, 15, 16, sendo ela causada pela obstrução das vias aéreas superiores. Os fatores etiológicos causadores da obstrução podem ser:

– Alterações do septo nasal:

Desvio de septo, esporão, fraturas etc…, podem promover dificuldade respiratória devido a um estreitamento de uma ou ambas fossas nasais.

-Hiperplasia de adenóides:

Adenóide é a proliferação dos tecidos linfáticos. A adenóide, é encontrada na parede posterior da nasofaringe, e quando ela está aumentada pode causar um bloqueio nas vias aéreas impedindo a respiração nasal do paciente.

– Tonsilas inflamadas:

O enfartamento das amígdalas confere ao ato da deglutição uma sensação dolorosa. Os pacientes com amigdalites buscam outras posições para a língua, realizando a deglutição de forma que seja menos dolorosa, mas suportável. Nos processos crônicos, a posição viciosa de tanto se repetir, pode instalar-se e permanecer mesmo depois da remoção das amígdalas 16.

– Conchas nasais hipertróficas:

As conchas nasais, em número de três, são constituídas por um osso, circundado por parênquima vascular com capacidade de aumentar e diminuir seu volume em reação a diversos fatores.

Nos quadros nasais obstrutivos a principal con-cha envolvida é a inferior, pois é a que mais parênquima possui e mais próxima está da região da válvula nasal.

– Hábitos deletérios:

Em geral, os hábitos resultam da repetição de um ato que em sua essência primordial tem determinado fim. Assim, por exemplo, a sucção é realizada principalmente para obter alimento. Quando realizada sem fins nutritivos pela prática repetitiva pode condicionar a instalação de um hábito. Existem os bons hábitos e os hábitos indesejáveis que podem traduzir perversões funcionais. A respiração é automática e quando normal, realizada pelo nariz. Por várias razões poderá sofrer alteração e passar a ser realizada pela boca 15.

Uma das causas etiológicas da respiração bucal está relacionada com hábitos cronicamente adquiridos e mantidos, como o uso prolongado de chupeta e mamadeira com bico inadequado, falta de aleitamento materno. A postura errada da mamadeira poderá dificultar a respiração pelo nariz, acarretando a respiração pela boca. A posição do bebê no berço pode ser causa de respiração bucal, pois se ele estiver mal posicionado não conseguirá respirar pelo nariz. Existe ainda o hábito de respirar pela boca, apesar da possibilidade de respirar pelo nariz, que atualmente é denominada disfunção, isto é, o paciente não respira pelo nariz devido aos anos de obstrução real que o impediram de usar sua musculatura facial de maneira correta, seus lábios adquiriram uma posição incorreta, ocasionada pela hipotonia labial. Com isso, mesmo não havendo nada que o impeça de respirar pelo nariz ele não consegue. É frequente encontrarmos nos pacientes com respiração bucal, interposição de língua, onicofagia (hábito de roer as unhas) e movimento de língua como se estivesse mastigando.

– Rinite alérgica:

A rinite alérgica caracteriza-se por um processo inflamatório desencadeado tanto pelo contato com os alérgenos quanto com agentes irritantes 17.

Define-se rinite alérgica como uma doença caracterizada clinicamente por prurido nasal intenso, espirros em salva, obstrução nasal e coriza hialina, sintomas estes consequentes ao intenso processo inflamatório da mucosa nasal. Acredita-se que cerca de 10% da população mundial apresenta rinite alérgica, atingindo aproximadamente 15% em crianças e adolescentes 18.

A “síndrome alérgica” desencadeia a respiração bucal crônica 1, sendo grande problema para ortodontistas, pois é de difícil tratamento devido a sua etiologia que está associada ao ônus que se paga pela civilização moderna, a poluição 20, ao ar condicionado, etc19.

O sucesso do tratamento ortodôntico está diretamente ligado a uma boa anamnese. Pois, se o paciente for respirador bucal ele terá uma grande possibilidade de recidiva da má-oclusão ao término do tratamento.

A história familiar é muito importante para 20. Geralmente quando um dos pais apresenta rinite alérgica, o filho tem 40% de probabilidade de também apresentar a doença. Um dos pais pode possuir eczema e transmitir a tendência alérgica sob for-ma de rinite alérgica 8.

É comum os pais relatarem a ocorrência de “resfriados frequentes”, caracterizados por secreção nasal hialina e persistente e espirros em salva. Sintomas de conjuntivite e antecedente pessoal de atopia associados devem alertar para o diagnóstico de rinite alérgica 20.

De acordo com Krause (1983)21, a rinite alérgica é a principal causa da obstrução nasal. Outros autores colocam a hipertrofia de adenóide como a primeira e a rinite alérgica a segunda, contudo

aquela é frequentemente encontrada como resultado secundário da alergia.

Marks (1965)12 relatou ter encontrado grande incidência de bruxismo em crianças alérgicas. Sua hipótese é que rangendo os dentes ela consiga abrir a tuba auditiva, frequentemente obstruída devido ao edema do tórus tubário. (Fig.1).

Pacientes com o hábito da respiração bucal mantêm a boca constantemente aberta, evitando que a língua pressione o palato. Com isso, há compressão externa da maxila pelo desenvolvimento dos sistemas ósseo e muscular da face. O palato duro tende a subir (formando o palato ogival), e a arcada dentária superior tende a se deslocar para frente e para dentro, provocando distoclusão e mordidas cruzadas. Ao subir, o palato pressiona o septo cartilaginoso para cima e para frente, desviando-o’21.

Devido a todas estas alterações ocorridas na musculatura facial e esquelética, o paciente desenvolve uma disfunção respiratória que o leva a respirar pela boca, mesmo após tratamento que libere suas vias respiratórias, sendo necessário uma terapia fonoaudiológica que o ajude a respirar pelo nariz.

Um diagnóstico precoce e um tratamento alérgico moderno e eficiente, pode frequentemente prevenir pelo menos um dos maiores fatores que contribuem para efeitos progressivos da deformação dentofacial, que é a respiração bucal.

Características do respirador bucal

Devido ao conjunto de sintomas e sinais característicos encontrados no respirador bucal, podemos reconhecer a respiração bucal como uma síndrome, que dá ao paciente um aspecto geral de criança abobalhada, distraída e ausente. Os sintomas freqüentemente são 8, 9, 12, 19, 20, 22-24: (fig.2)

  • Estrutura facial alterada: a face torna-se longa e estreita.
  • Lábio superior hipotônico, curto e elevado com alteração, dada à pouca irrigação sanguínea.
  • Lábios separados e ressecados.
  • Língua hipotônica, volumosa, repousando no assoalho bucal.
  • Nariz pequeno, afilado, tenso, ou com a pirâmide alargada.
  • Olheiras profundas.

A história clínica do paciente com respiração bucal é característica. Freqüentemente encontramos amigdalites recorrentes, rinite alérgica, hipertrofia de adenóides, etc… É relatado também ronco, halitose, síndrome da apnéia obstrutiva do sono, irritabilidade e/ou agressividade sem causa aparente.

Assim como distúrbios de crescimento, desenvolvimento e falta de atenção na escola, estão associados à crônica falta de oxigenação sanguínea adequada (diminuição de O2), propiciando uma deterioração da qualidade de vida é um processo de envelhecimento precoce 23.

 

Alterações bucais do respirador bucal

A respiração bucal obriga o paciente a manter a boca aberta, para suprir a deficiência de ar respirado. Com isso o equilíbrio vestibulolingual é removido, alterando o equilíbrio da musculatura facial. As alterações mais frequentes encontradas nos respiradores bucais são: (fig 3).

 

  • Mordida cruzada devido ao estreitamento encontrado na maxila.
  • Mordida aberta anterior, devido à falta de pressão do lábio superior sobre os incisivos e os dentes entreabertos para facilitar a respiração, isto causa o rompimento do equilíbrio de forças mantenedoras da oclusão.
  • Palato ogival, pois a pressão negativa do ar entrando pela cavidade bucal, ao invés de entrar pelo nariz, faz com que o palato cresça para cima, provocando desarmonias oclusais e apinhamento devido à atresia do arco.
  • Mento retraído.
  • Gengivite crônica, devido ao ressecamento da mucosa oral e a um acúmulo de placa bacteriana, em consequência do excesso de muco aderido aos dentes.
  • Alto índice de cárie. As alterações características do respirador bucal como a queda da mandíbula, musculatura labial, língua apoiada no assoalho bucal e as outras anteriormente citadas, alteram a microbiota bucal elevando a quantidade de microorganismos cariogênicos em conseqüência aumenta a suscetibilidade de cárie. A cárie é uma doença multifatorial que depende da interação de três fatores principais: o hospedeiro, representado pela saliva e pelos dentes; a microbiota e a dieta consumida. O respirador bucal tem o fluxo salivar diminuído pelo ressecamento ocorrido pela respiração bucal, diminuindo sua resistência aos microorganismos cariogênicos como o Strep-tococcus mutans, que é considerado agente etiológico primário da cárie 25.

Conclusão

A importância de um tratamento precoce da respiração bucal, em consequência de um correto diagnóstico é extremamente importante para um resultado ortodôntico com sucesso ou para evitar o agravamento da má oclusão de pacientes predispostos a alterações oro-faciais.

O ortodontista é quem vai observar o crescimento da face da criança, contudo, ele deveria, conforme cada caso específico, consultar seus colegas otorrinos, pediatras, alergistas e fonoaudiólogos, para ter maiores condições de promover um desenvolvimento facial correto. Evitando complicações tanto na cavidade oral como facial do paciente. O tratamento precoce evita que futuramente seja necessário um tratamento ortodôntico corretivo ou às vezes até cirúrgico.

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